O Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil não pode ser apenas tema da redação do Enem 2023

Este ano, o tema da redação do Enem 2023: "Desafios para o Enfrentamento da Invisibilidade do Trabalho de Cuidado Realizado pela Mulher no Brasil", fomentou um tema já discutido em algumas esferas mas que realmente não tinha um reconhecimento e visibilidade nacional. 

A oportunidade de debater o tema sobre diversas vertentes é incrível, mas tão pertinente quanto, é não o limitarmos ao debate da redação apenas, e trasbordar para as esferas sociais, políticas e econômicas.




Como mulher, eu sei muito bem como é viver essa realidade todos os dias. O cuidado com o trabalho, com as tarefas domésticas, com a família, muitas vezes negligenciando o autocuidado.

A cobrança pelo sucesso dos relacionamentos, pela maternidade, o trabalho mental de pensar o que falta no armário e organizar as demandas até mesmo do lazer, por exemplo, que dia ir, tem dinheiro, retirar os ingressos, entre outros, sobrecarregam as mulheres mundialmente. E no Brasil, considerando ainda a desigualdade social, racial, dentre outras, precisamos não só debater, como cobrar mudanças, não só através de políticas públicas, mas também, como sociedade, cobrar o envolvimento de todas as pessoas capazes, resguardadas as devidas proporções, nos trabalhos invisíveis, como o cuidado.


Especialmente nos últimos anos, com o aumento do engajamento das pessoas em temas de cunho social e político (e aqui faço um parêntese para deixar claro que político, é sobre políticas políticas e não sobre partidos e candidatos), o tema veio em excelente momento, para ampliação do discurso, mas também precisamos ampliar as ações.

Enem:

O Enem é a sigla para Exame Nacional do Ensino Médio, uma prova que avalia o desempenho dos estudantes que concluíram ou estão concluindo o ensino médio. O Enem é usado como critério de seleção para o ingresso em diversas instituições de ensino superior públicas e privadas, além de programas governamentais como o ProUni, o Fies e o SiSU.

O Enem foi criado em 1998, no governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de medir a qualidade do ensino médio no país. A primeira edição do exame contou com cerca de 157 mil inscritos e foi aplicada em 184 municípios brasileiros. Na época, o Enem era composto por uma prova objetiva de 63 questões e uma redação.

O Enem se popularizou a partir de 2004, quando o governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou o Programa Universidade para Todos (ProUni), que oferece bolsas de estudo em universidades particulares para estudantes de baixa renda que tenham feito o Enem. A partir daí, o número de inscritos no exame cresceu exponencialmente, chegando a quase 4 milhões em 2023.

Eu fiz o Enem a primeira vez quando entrei para a faculdade de marketing, e em 2017 quando pretendia voltar a atuar na área da educação, e dar aulas, fiz novamente para entender a realidade da prova e dos jovens. Tive a oportunidade de fazer uma redação sobre um tema que gosto muito. Quando criança uma tia que estudava linguagem de sinais ensinou a mim e meus primos algumas coisas e como sempre fui muito interessada em comunicação fiz questão de aprender e praticar e no ensino médio, estudei em uma escola inclusiva com um projeto especial para pessoas surdas e/ou mudas e tive a oportunidade de fazer amizades e praticar um pouco mais. Então, fazer essa redação em uma época em que eu estava buscando retomar meus objetivos foi como um presente.






Em 2018 eu consegui o que tanto queria, e voltei a atuar na área de educação e fazer um trabalho de marketing bem legal também em torno do Gabarito extraoficial do Enem. E venho acompanhando essa jornada junto com amigos e conhecidos que fizeram o Enem ao longo dos anos e arrisco meus palpites para o tema da redação.



Em 2019, o tema escolhido foi: "Democratização do acesso ao cinema no Brasil", compartilhei alguns pontos da equipe com quem trabalhava na época e claro, que, sabemos que teriam muitos outros temas que seriam muito mais adequados para fomentar as discursões da quele ano. Mas foi interessante ver o desenvolvimento do tema, e o tanto que ainda hoje se fala sobre o preço dos ingressos e a localização dos cinemas serem em grande parte já fatores excludentes para o acesso ao cinema.

Como apreciadora da sétima arte, fiz inclusive um post blog aqui no dia do cinema brasileiro falando sobre a história.

2020 na loucura da pandemia, e com as adaptações necessárias para a realização da prova, achei o tema muito pertinente e fiz um post no Instagram com minhas considerações sobre a redação do Enem: "O estigma associado às doenças mentais na sociedade". 

Já em 2021, a minha vida que estava uma loucura, mas ainda assim acompanhei os debates sobre um tema também super relevante e com muitas vertentes.


Em 2022, o tema também foi muito debatido, principalmente sobre o desmantelamento das reservas indígenas.



E em 2023, o tema aborda uma questão social relevante e atual, que diz respeito à desvalorização e a sobrecarga das mulheres que realizam atividades domésticas e de cuidado com a família, sem o devido reconhecimento econômico ou social.



O tema da redação do Enem 2023 é importante porque traz à tona uma problemática que afeta milhões de mulheres no Brasil e no mundo, especialmente em tempos de pandemia, quando muitas delas tiveram que conciliar o trabalho remoto com as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos e os idosos. Além disso, o tema estimula os estudantes a refletirem sobre as causas e as consequências dessa invisibilidade, bem como a proporem soluções para enfrentá-la.




O trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil é um tema que envolve aspectos históricos, culturais, econômicos e sociais. Segundo a historiadora Mary Del Priore, as mulheres sempre foram responsáveis pelo cuidado da casa, dos filhos, dos doentes e dos idosos, desde os tempos coloniais até os dias atuais.

Não é difícil vermos diversos exemplos ao nosso redor e muitas vezes inclusive em nossos lares. A sociedade imputou à mulher o cuidado com o relacionamento, os filhos, o lar, os pais, a sociedade... 

Vamos muitas vezes, até sem pensar vendo a reprodução do comportamento sendo passado por gerações sem questionamento e mulheres sendo cobradas e ensinadas reprimidas por outras mulheres quando tocam no assunto ou se recusam a seguir.





O trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil também é um tema que reflete as desigualdades de gênero, raça e classe no país. De acordo com a socióloga Helena Hirata, as mulheres negras e pobres são as que mais sofrem com a dupla ou tripla jornada de trabalho, pois além de cuidarem da família, também trabalham fora de casa, muitas vezes como empregadas domésticas ou cuidadoras de outras famílias.

Um tema que demanda políticas públicas e sociais que reconheçam, valorizem e compartilhem esse trabalho. 

Segundo a economista Hildete Pereira de Melo, as mulheres contribuem com cerca de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) do país com o trabalho de cuidado não remunerado, mas esse trabalho não é contabilizado nas estatísticas oficiais. 

Uma prática que deixa, a nós, mulheres, exaustas, sobrecarregadas, prejudica nossa saúde mental e física.

O trabalho mental de realizar as organizações do dia a dia e as decisões que precisamos tomar a cada tempo, nos deixam também prejudicadas não só quanto ao direito ao descanso como também na progressão da vida pessoal, acadêmica e profissional.








Para além dos debates e ações para equidade de gênero, também precisamos de pensar em como poderemos, como mulheres, ter mais acesso à educação, à saúde, à cultura, ao lazer, à previdência e à proteção social, bem como de mais participação nos espaços de poder e decisão.


Utilizar o nosso voto com sabedoria para eleger pessoas realmente preocupadas e dispostas a realizar a diferença na estrutura social. Buscando inclusão, equidade, inserção e modificação da maneira como a sociedade é constituída hoje.

Algumas pessoas, empresas, grupos e associações já vêm promovendo a mudança, desenvolvendo consciência social sobre responsabilidades, deveres e direitos. É preciso reordenar pensamentos e modificar costumes, para termos uma sociedade mais inclusiva e o tema da redação do Enem de 2023 foi uma ótima oportunidade para trazer um debate acalorado sobre um tema urgente.

Esperamos que possamos continuar progredindo em relação às mudanças que façam diferença na vida das mulheres e que eu possa ver um futura melhor para as meninas da nova geração, assim como pude ter esperança de um mundo um pouco melhor para mim.




Até a próxima!
Thais
💟




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